sexta-feira, 5 de junho de 2009

Crise econômica e revolução social na América do Sul


Em nenhuma área dominada da economia mundial os sinais de uma destruição especificamente capitalista são mais evidentes do que na América do Sul. Da Venezuela e Colômbia, ao norte, à Argentina, ao sul, nenhum país escapa. A globalização se desdobra pelo continente como um mesmo sangrento processo de saque das suas riquezas naturais, de terrorismo imperialista e, principalmente, de aumento da exploração da sua população trabalhadora. Mas é deste mesmo processo que brota o seu contrário. Como na Argentina, onde está ocorrendo o mais avançado estágio de deterioração econômica nacional do continente e o recente aparecimento do seu contrário, a movimentação das massas clamando pela revolução social.
O caminho da análise crítica é tão escarpado quanto o do seu próprio sujeito, a revolução social. Para se trilhar esse caminho até o seu ponto de chegada, exige-se antes de tudo muita paciência com o ritmo nem sempre muito rápido da caminhada. Quando, por exemplo, escrevemos o boletim La comparcita de la miséria, no mês de julho de 2001 (antes do 11 de Setembro, portanto), procuramos traçar os três cenários em torno dos quais poderia ocorrer o desdobramento da crise econômica mundial. Estávamos particularmente interessados nos seus impactos sobre Argentina e Brasil, as duas maiores economias da América do Sul. Portanto, para não perder o fio da nossa análise vale a pena resumir, pacientemente, a forma como aqueles cenários foram então desenhados:.....A evolução da situação daqui para frente, tanto na Argentina quanto no Brasil, será marcada pelo aparecimento de turbulências ainda mais importantes, que vão além de uma mera crise no sistema de crédito público, atingindo então a indústria, o comércio exterior, a produção agrícola, o sistema de abastecimento de mercadorias, etc. E esse desdobramento das atuais turbulências no sistema de crédito público será mais ou menos profundo e duradouro, dependendo diretamente dos possíveis cenários da economia mundial nos próximos doze meses. Esses cenários podem ser desenhados em torno de três desdobramentos possíveis da crise econômica global, que temos acompanhado em nossos boletins.
O primeiro seria um cenário marcado por uma rápida recuperação da economia americana, ainda neste ano. A crise econômica global não se manifestaria. É o cenário menos provável (...) Mas se ocorrer esse primeiro cenário, Brasil e Argentina poderiam se livrar de uma catástrofe econômica com uma certa rapidez, sendo os problemas atuais diminuídos já no primeiro semestre do próximo ano. A crise econômica seria marcada apenas por crises políticas internas, mais ou menos intensas, mas ainda controladas pelos capitalistas e seus colaboracionistas incrustados no meio trabalhador.
O segundo cenário seria marcado por uma crise mundial localizada, parcial, com o formato da última crise de 1997-98, porém agora com uma profundidade um pouco maior. A crise econômica global não se manifestaria como uma depressão global. A diferença, agora, é que a economia americana só começaria a reverter o período de crise global no decorrer do segundo ou terceiro trimestre de 2002. As conseqüências para Brasil e Argentina seriam profundas, com as suas crises econômicas nacionais provocando crises políticas internas muito fortes, de difícil controle, com tendência a se transformarem em crise social. Pela análise que fizemos até agora e pelos novos dados disponíveis, que se acumularam nas últimas semanas no mercado mundial, este pode ser considerado, no momento, o cenário mais provável.
O terceiro cenário seria marcado por um desdobramento mais intenso da crise econômica americana, com desabamento da Bolsa de Nova York (...) por volta de outubro/novembro próximos, no mais tardar (...) Este é um cenário que ainda pode ser considerado, porém ainda não o mais provável. Vai depender de um monte de coisas importantes que deveriam acontecer no máximo até a virada de 2001 para 2002. Neste cenário possível, mas não o mais provável, repetimos, tanto Brasil e Argentina, como o restante da América Latina, Ásia, Leste Europeu e África, estariam mergulhados em profundas crises sociais e possibilidades reais de início de processos revolucionários......
Do mesmo modo que as recentes erupções sociais no continente sul-americano, particularmente na Argentina, foram deslanchadas pela ação do último período de crise econômica, seus próximos desdobramentos também estarão balizados pelo fechamento de mais um ciclo econômico global que, pelas primeiras informações, estaria ocorrendo neste exato momento.
Uma insólita unidade
No início de março deste ano, apareceram indicações de que a economia americana estaria ensaiando mais um período de expansão. Essa virtual retomada da economia de ponta puxaria a economia global para um novo período de relativa estabilidade econômica e governabilidade política em suas diferentes áreas geoeconômicas. Se essa retomada realmente ocorrer, o período de crise aberto no último trimestre de 2000 estaria sendo revertido. Teria durado em torno de quinze meses. E se confirmaria o segundo cenário do boletim La comparcita de la miséria, descrito acima como o mais provável.
Por enquanto, repetimos, existem apenas pequenos sinais dessa reversão cíclica. A provável recuperação só poderá ser conferida no momento certo, quer dizer, no decorrer dos próximos meses, com a divulgação de dados mais confiáveis ligados à reprodução do capital fixo (demanda por máquinas, equipamentos e instalações), produção e produtividade industrial, consumo de matérias primas e insumos, preços de produção, comércio exterior, mercado cambial e outras variáveis que indicam efetivamente se está ocorrendo ou não uma reversão.
A pletora que unifica
Se realmente o último período de crise estiver se despedindo, isso não estaria acontecendo por acaso. Já provocou estragos que dificilmente serão revertidos com uma anunciada expansão armada que, por isso mesmo, promete ser de curta duração e com muito pouca dinâmica econômica.
Os meios utilizados para a superação deste período de crise não vão deixar saudades. Acontece que, como toda superação de uma pletora periódica de capital - do mesmo modo que no alívio de uma pletora da medicina, de onde os economistas tiraram essa imagem usada para uma crise econômica especificamente capitalista ?, a atual também teria que deixar necessariamente um rastro de sangue e de destruição para grandes massas da população de continentes inteiros.
A América do Sul é um caso exemplar desse processo. Devido a essa ação planejada do moderno regime capitalista para a superação de suas crises periódicas, essa área acabou adquirindo nos últimos anos uma identidade capitalista e uma unidade material - por enquanto necessariamente negativa - que nenhuma antiga idéia de unificação política do continente (Bolívar, etc.) poderia realizar.
É uma identidade mais do que estrutural, mais do que uma fórmula abstrata de existência comum. É muito mais um planejamento de não-existência, de uma determinada organização capitalista orientada para a destruição das condições de existência e de reprodução dos diferentes países localizados nas áreas dominadas do mercado mundial. O que está acontecendo na Argentina, como veremos mais abaixo, é um dos resultados mais visíveis desse processo que atinge indistintamente, em maior ou menor grau, todos os países da América do Sul.
Essa recente e insólita identidade sul-americana não tem raízes nacionais, como nos antigos processos de unificação. É imediatamente global, quer dizer, imediatamente determinada pelas necessidades internas do capital global de superar suas intermináveis crises periódicas e retomar sucessivos ciclos de expansão do mercado mundial especificamente capitalista.
Arquitetura da destruição
Sabemos há muito tempo que essas recuperações capitalistas nunca acontecem pacificamente. O que se verifica é exatamente o contrário. As crises de superprodução - geradas nas economias dominantes do sistema capitalista (EUA, União Européia e Japão) - continuarão a reaparecer periodicamente e imporão sempre a necessidade de destruição de excessos de forças produtivas acumuladas em quantidades cada vez mais gigantescas, para que o sistema possa se regenerar e continuar existindo.
As contrações periódicas do capital provocam explosões e crises, quando então as paradas súbitas do trabalho e a destruição de uma grande parte das empresas capitalistas redirecionarão o capital, sempre pela violência, a um nível do qual ele poderá retomar seu curso. Sem se suicidar, o capital poderá de novo empregar sua plena capacidade produtiva. É por isso que, por razões estritamente econômicas, nossa época não pode escapar da violência.
Violência e destruição. Não fomos nós que descobrimos esse "corretivo natural e necessário" do capital. Os próprios economistas capitalistas sempre reconheceram que o capital precisa de uma grande destruição de forças produtivas para superar suas crises periódicas. É enorme a lista dos que exprimem cinicamente essa necessidade interna do capital. Bem antes, por exemplo, do eclético e plagiador Joseph Schumpeter - economista tido pelos atuais eunucos acadêmicos como o criador original do gracioso e inofensivo conceito de "destruição criativa" - Fularton já decretava em 1858: "Uma destruição periódica de capital tornou-se uma condição necessária de existência da taxa média de lucro. Nesta perspectiva, os sacrifícios apavorantes que presenciamos habitualmente com tanta apreensão e medo podem ser exatamente o corretivo natural e necessário de uma opulência excessiva e superdimensionada. É a vis mediatrix, a força que dá ao nosso atual sistema social o poder de se aliviar de tempos em tempos de uma pletora ? sempre renovada e que ameaça sua existência ? a fim de reencontrar uma condição sadia e sólida".
Para evitar as revoluções sociais ? violência breve e concentrada, mas radical ?, os capitalistas fazem guerras que nunca terminam e que destroem sistematicamente as forças produtivas não apenas sob a forma de máquinas, instalações de produção, de meios de circulação, de comunicação e de subsistência, mas também de homens, quer dizer, de uma superpopulação em excesso para as necessidades do capital.
Quebrando as pernas dos dominados
A "destruição criativa" do último ciclo econômico começa a fazer efeito. Os argentinos que o digam. A produção industrial da Argentina está há quatro anos em queda contínua! Crise como estagnação estrutural. A produção industrial argentina recuou aos níveis de dez anos atrás. Por habitante, o atual nível corresponderia a 20% menos que 1992.
Ao contrário de Buenos Aires, há otimismo em Nova York, Tókio e Frankfurt, com sinais mais concretos de recuperação da economia americana. Começam a aparecer fortes indicadores de recuperação da economia de ponta do mercado mundial. Divulgou-se na última semana, por exemplo, uma queda da taxa de desemprego daquela economia para 5,5%. Isso é diferente de se anunciar abobrinhas do tipo "confiança do consumidor", etc.
Ao contrário de Washington, em Buenos Aires se anuncia que a taxa de desemprego da economia continua aumentando. Oficialmente, já passa de 22% da população economicamente ativa do país. A estagnação das economias dominadas trabalhando em sincronia com as recuperações das economias dominantes.
As necessidades do moderno regime capitalista de produção para as superações periódicas da crise econômica não agem mais apenas com uma sistemática destruição das forças produtivas globais, uma destruição que reaparece a cada novo período de crise. Agora, essas necessidades agem mais profundamente que antes. Acabam também freando a evolução econômica e social de áreas e continentes inteiros em que se localizam as economias dominadas do mercado global - América Latina, Leste Europeu, Ásia, África, Oriente Médio, etc.
As leis internas da acumulação capitalista impedem um aumento muito rápido e geral das forças produtivas, com o objetivo de diminuir a amplitude internacional das crises periódicas. Para serem aplicadas da melhor maneira possível, essas leis são garantidas politicamente com a expansão da demanda armamentista dos Estados, com reforços orçamentários suplementares para a violência militarizada e imperialista global, "guerra contra o terrorismo", etc. As crises capitalistas modernas se tornam, portanto, cada vez mais planejadas e mais próximas uma das outras.
Fome especificamente capitalista
Virtualmente falando, o desenvolvimento das forças produtivas nas áreas dominadas do mercado global serviria pelo menos para alimentar a grande massa da população mundial. Como na Argentina, onde houve uma época em que todo mundo comia, estudava e morava com razoável conforto. Agora, calcula-se que quase a metade da população do país encontra-se abaixo da chamada "linha de pobreza". Quer dizer, estão passando fome. Há oito anos atrás, o índice não passava de 15% da população.
É importante lembrar que não estamos falando de uma sociedade tribal, ou de um pequeno país desértico e sem população como o Chade, Burkina Faso ou do Togo. Estamos falando de um país plenamente capitalista, modernas estruturas de mercado, elevada capacidade produtiva de cereais (produtividade cinco vezes maior que no Brasil), operariado com elevada produtividade e tradição industrial, clima temperado extremamente favorável para a reprodução da espécie humana, enormes reservas de petróleo e outras fontes de matérias primas, etc. No entanto, esta sociedade potencialmente tão rica não é mais capaz de organizar sua economia nem para alimentar sua população.
Essa "destruição criativa" acabou resultando em uma nova e rotineira paisagem urbana no país, uma paisagem característica do pleno desenvolvimento capitalista na América do Sul. Como se podia ver, entre tantos outros exemplos divulgados pela mídia, em 26 de fevereiro passado, quando "a polícia de Buenos Aires reprimiu hoje cerca de trezentas pessoas que estavam pedindo comida em frente a um supermercado, na província de Buenos Aires. Mulheres e homens começaram a se aglomerar em frente ao supermercado desde o final da manhã para tentar conseguir alimentos. Porém, a polícia chegou com ordens de evitar novos saques, como os que ocorreram em dezembro do ano passado e dispersou os desempregados com gás lacrimogêneo e balas de borracha. Outros pontos da província de Buenos Aires e no interior do país também registraram concentração de desempregados e manifestantes em frente a supermercados e outros comércios menores, como açougues, pedindo comida."

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